Sobre ter medo
Sentir medo é normal, não é? Não aquele medo repentino da coisa inexistente ou vindoura. Falo daquele medo emergente e posto com certo acaso. Isso é normal, não é? Dia desses, passando por alguns lugares, me dei conta de que caminhar e me ver caminhando tem muito a ver com medo. Minha terapeuta acha o cúmulo eu dizer que comparo isso com sentir medo. Mas, explico.
Primeiro, caminhar lhe coloca em uma posição de descoberta sem igual. Você descobre novos grânulos de arreia, buracos, transeuntes, pedaços de vidro, calçadas ocupadas por todo tipo de entulho... Enfim, você descobre que as coisas mudaram de lugar, que a tia do café não vem mais por conta do preço do aluguel, que o locutor da feira decidiu se aposentar por conta de um infarto, que a moça que se despia no meio da rua mudou de ato e virou crente... Você começa a se dar conta que caminhar é essa descoberta inteira. E, para mim, nada mais aterrador que o novo. Tudo que é novo causa medo, não acha? Pelo menos, eu acho que sim.
Segundo, cada uma dessas descobertas pode ser vista de uma forma muito peculiar. Melhor, melhor. Cada uma dessas descobertas é peculiar em si própria. Os novos grânulos de arreia podem me atormentar os pés de forma mais intensa, talvez algum transeunte me sorria dois dedos de gentileza, quem sabe a tia do café lembre de pedir para alguém me avisar que ela mudou de lugar e quem sabe, também, a moça que se despia no meio da rua me convide para um culto dominical. Tudo, agora, além de novo, é passível de descoberta. De recomeço.
Acho que por esses dois aspectos -- na verdade, detesto textos muito longos, por isso vou concluir logo --, eu vejo a caminhada como um reflexo de sentir medo. Porque, na verdade, não acho que sentir medo seja ruim. Pelo contrário. Acho que sentir medo não precisa me limitar. Como li, certa vez, em Coraline, coragem é ir com medo mesmo. Então, todos os caminhantes são corajosos.
Escrevi isso ouvindo Mykonos de Fleet Foxes.
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